quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Carta no Caminho - Neruda

Pablo Neruda: A Carta no Caminho



*



Adeus, porém comigo 
Serás, sempre irás dentro
de uma gota de sangue que circule em minhas veias 
ou fora, beijo que me abrasa o rosto 
ou cinturão de fogo na cintura.
Doce minha, recebe 
o grande amor que me saiu da vida 
e que em ti não achava território 
como o explorador perdido 
nas ilhas do pão e do mel.
Eu te encontrei depois 
da tormenta, 
a chuva lavou o ar,
na água 
teus doces pés brilharam como peixes.


Adorada, me vou a meus combates.

Arranharei a terra para te fazer uma cova 
e ali teu Capitão 
te esperará com flores sobre o leito. 
Não penses mais, amada,
no tormento 
que passou entre nós dois 
como um raio de fósforo 
nos deixando talvez, a queimadura.
A paz chegou também porque regresso 
à luta em minha terra,
e como tenho o coração completo 
com a parte do sangue que me deste 
para sempre,
e como 
levo 
minhas mãos cheias do teu ser desnudo,
olha-me, 
olha-me,
olha-me pelo mar, que vou radiante, 
olha-me pela noite que navego,
e o mar e a noite, amor, serão os teus olhos.
Eu não saio de ti quando me afasto. 
Agora vou te contar: 
vai ser tua a minha terra, 
vou conquistá-la,
não só para te dar, 
mas para dar a todos, 
para todo o meu povo.
Um dia o ladrão deixará a sua torre, 
e o invasor será expulso.  
E todos os frutos da vida 
crescerão em minhas mãos 
acostumadas antes à pólvora.
Saberei acariciar as novas flores 
porque tu me ensinaste o que é ternura.
Doce minha, adorada, 
virás comigo lutar corpo a corpo,
porque em meu coração vivem teus beijos 
como bandeiras rubras,
e se caio, não 
só me recobrirá a terra, 
também o grande amor que me trouxeste,
que viveu circulando por meu sangue.
Virás comigo,
e nessa hora te espero, 
nessa hora e em todas as horas,
em todas as horas te espero.
E quando venha a tristeza que odeio 
golpear a tua porta, 
diz a ela que te espero, 
e quando a solidão queira que mudes 
esse anel em que está meu nome escrito, 
diz pra solidão falar comigo, 
que eu precisei partir 
porque sou um soldado,
e que ali onde eu estou, 
sob a chuva ou sob 
o fogo, 
amor meu, te espero.
Te espero no deserto mais duro 
e junto do limoeiro florescido,
em qualquer lugar onde esteja a vida, 
onde esteja nascendo à primavera, 
amor meu, te espero.
Quando digam: "Esse homem
não te quer", recorda 
que meus pés estão sós nessa noite e procuram 
os doces e pequenos pés que adoro. 
Amor, quando te digam 
que eu já te esqueci, e quando 
seja eu mesmo quem diga, 
e quando eu te disser, 
não me creias, 
quem e como poderiam 
te cortar do meu peito 
e quem receberia 
meu sangue 
quando em teu ser me fosse dessangrando?  
Porém tampouco posso 
esquecer o meu povo. 
Vou lutar em cada rua, 
atrás de cada pedra. 
O teu amor me ajuda: 
és uma flor fechada 
que me enche cada vez com seu aroma 
e que súbita se abre 
dentro de mim como uma grande estrela.  
Amor meu, é de noite. 
Essa água negra, o mundo 
dormindo, me rodeiam. 
Já está chegando a aurora, 
enquanto vem, te escrevo 
para dizer que te amo. 
Para dizer: "te amo", 
cuida, limpa, levanta, 
defende 
nosso amor, alma minha. 
Aqui te deixo como se deixasse 
um punhado de terra com sementes. 
De nosso amor nascerão vidas.
Em nosso amor beberão água. 
Talvez chegará um dia 
em que um homem 
e uma mulher, iguais 
a nós dois, 
tocarão este amor, que ainda terá força 
para queimar as mãos que o toquem. 
Quem fomos? O que importa? 
Tocarão este fogo 
e o fogo, doce minha, dirá teu simples nome 
e o meu, o nome 
que só tu soubeste porque só tu 
sobre a terra sabes 
quem sou, e porque ninguém me conheceu como uma, 
como só uma de tuas mãos, 
porque ninguém 
soube como, nem quando 
meu coração esteve ardendo: 
tão só 
teus olhos grandes pardos o souberam, 
tua vasta boca, 
tua pele, teus peitos, 
teu ventre, tuas entranhas 
e essa alma que eu despertei 
só para que ficasse 
cantando até o fim da vida.
Amor, te espero.
Adeus, amor, te espero.
Amor, amor, te espero.
E assim termina esta carta 
sem nenhuma tristeza: 
sobre a terra estão firmes os meus pés, 
minha mão escreve esta carta no caminho, 
e no meio da vida estarei 
sempre 
junto ao amigo, frente ao inimigo, 
com teu nome na boca 
e um beijo que jamais 
se separou da tua.