LECTORIUM ROSICRUCIANUM
ESCOLA INTERNACIONAL DA ROSACRUZ ÁUREA
CÍRCULO DE SIMPATIZANTES
Carta de Fevereiro/2014
A consciência da ilusão
O raio de ação de nossa faculdade de percepção é enorme.
Contemplamos o céu estrelado a anos-luz de distância,
ouvimos
de longe o vento tempestuoso que se aproxima, podemos até
mesmo prever a ameaça de um terremoto com vários dias de
antecedência. Contudo, não somos capazes de perceber a
aflição
contida de alguém sentado ao nosso lado no metrô. Nossa
consciência é uma faculdade natural intrínseca que limita
nossa
percepção do mundo. Tudo o que se encontra fora de seu
âmbito é
para nós virtualmente inexistente ou pura conjectura. Nós
a temos
em alta conta devido à aparente envergadura de seu campo
de
percepção, o que de certa forma não deixa de ter sua
razão
quando consideramos o atual estágio de desenvolvimento de
nossa personalidade. No entanto, ela não passa de uma
consciência que consegue enxergar apenas seu mundinho e
as
coisas que se referem a ela mesma. Construímos uma
muralha em
torno de nosso eu, de nosso universo particular, e no
interior
desse pequeno mundo, acumulamos, com o passar do tempo,
um
notável tesouro de conhecimento, compreensão e
experiência.
Contudo, na realidade, praticamente não fazemos ideia de
quem
somos, de onde viemos e o que temos de fazer aqui.
Diariamente
nos vemos diante de circunstâncias e fatos
incompreensíveis e
absurdos que acabamos aceitando a contragosto. É como se
vivêssemos sempre prestes a despertar de um sonho, mas
sempre
de novo nos escapasse o momento de acordar. Esse sonho
nos
mantém como que cativos numa “ilha” descrita, por aqueles
que
conseguem perscrutar por detrás dos véus, como sendo um
circuito fechado cujos limites são nossa própria
consciência. O
maravilhoso cérebro humano deve ter engendrado o conceito
de
“consciência” quando reconheceu que justamente aquilo que
ele
considerava como o acesso ilimitado a todo tipo de
conhecimento
e compreensão era, na verdade, sua própria limitação.
Mesmo os dicionários, ao definirem a consciência como sendo a
“compreensão de si mesmo e do ambiente”, não colaboram
para
que tenhamos uma visão mais ampla a esse respeito.
Mergulhados
no invariável e persistente ruído de nosso mundo,
chegamos à
mesma conclusão do bardo quando diz que “há mais coisas
entre o
céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”. São
sinais de uma
realidade diferente que vive em nosso interior e que
(ainda) não
nos é permitido contemplar.
Essas ideias e sugestões provenientes de uma região que
nossa
percepção não consegue sondar sempre foram pontos de
controvérsia, assim como também a existência ou não de um
ser
supremo e de um Além pertencente a ele, povoado por
criaturas
lendárias. Dessa forma, uma visão panorâmica dos mais
remotos
recantos de nossa consciência mantém viva, mediante
símbolos e
arquétipos, a lembrança de outra realidade que existe
fora dos
limites da razão e da comprovação. Alguns a veem como
realidade
concreta; outros chegam até mesmo a acreditar nela, mas a
maioria a considera como história da carochinha,
apropriada para
ser apreciada apenas pelos simplórios. Em geral, as
pessoas
tentam compreender o Além e tudo o que há nele,
imaginando a
existência de uma quarta dimensão, mas a realidade não se
sustenta em teorias multidimensionais. Ela é simplesmente
a
unidade, aquilo que É. Muitas vezes, referimo-nos a ela
como “o
Todo” ou “o Verbo”. Mesmo sem possuir forma ou ocupar um
lugar
no espaço, ela tudo permeia e é onipresente. Entre os
inseparáveis mundos da matéria e do Espírito, existe um
canal
livre de comunicação que escapa à nossa percepção.
A muralha que construímos em torno de nosso pequeno mundo
não passa de mera ilusão de ótica, fortalecida pelo
grande poder
de barganha da matéria, que como um véu, obscurece a
realidade
que está diante de nossos olhos. Enquanto não
desvendarmos
essa ilusão, continuaremos a vasculhar nosso pequeno
reino em
busca de algo novo, algo que realmente valha a pena, algo
para o
qual, uma vez descoberto, exclamemos: “Ah! É isso!”. E
assim,
nós nos ocupamos dessa busca por muito tempo para no
final
encontrar a decepção. De acordo com a cosmologia da
Doutrina Universal, o período
terrestre corresponde apenas à fase inicial da construção
da
“consciência de si mesmo” na evolução humana. Essa
consciência
incipiente capacita o ser humano a descobrir, por trás da
ilusão
deste mundo, uma nova possibilidade de desenvolvimento
para si
mesmo. Trata-se de um pro- cesso demorado e penoso que
nos
conduz, através da tentação da matéria, rumo a uma nova e
sublime forma de existência, rumo ao verdadeiro destino
do
homem. Isso implica em uma transformação da consciência,
pois,
por trás da matéria está o Espírito, por trás de nossa
antiga
consciência está a consciência universal, também
denominada
consciência cósmica.
Chegará o dia em que teremos acumulado tantas
experiências que
ficaremos cansados deste mundo, no qual nada é o que
parece,
nada é permanente, tudo vai e vem numa infinita
repetição. Esse
ponto de mutação pode levar tanto a uma resignação como a
uma
amargura, mas também pode conduzir a um despertar, a uma
mudança do foco de nossa atenção. Nesse dia, já não
prestaremos
atenção aos atributos do velho eu como posse, fama e
poder, mas
sim aos sinais silenciosos, provenientes da região
limítrofe de
nossa consciência, que foram por tanto tempo abafados
pelo ruído
da terra. Ao mesmo tempo acontecerá um desloca- mento do
“eu”
para o “nós”. Pouco a pouco, nosso pequeno eu começará a
perder
terreno e cederá lugar para o nosso verdadeiro ser.
Misticamente,
poderíamos dizer que a “consciência de nós mesmos”
transforma-
se em amor. O que antes não passava de uma vaga suposição
eleva-se agora no coração humano como realidade vivente.
Quando tudo parece ter-nos sido tirado, uma nova
perspectiva nos
aguarda. Surgem então arquétipos que se fundem em uma
luz, na
qual, gradualmente, as imagens ilusórias da antiga
consciência
vão desaparecendo. Muralhas desmoronam-se, fronteiras
desfazem-se, e, ambas, a antiga e a nova consciência
pairam na
amplidão de uma radiante manhã.
Revista Pentagrama, número 6 ano 2010, artigo completo
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