terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Livro de Mirdad 36

Lectorium Rosicrucianum

36

O dia da Arca e seus rituais
A mensagem do príncipe de Bethar a respeito da lâmpada viva

Naronda: Desde que o Mestre voltara de Bethar, Shamadam andava amudado e retraído. Ao chegar, porém, o Dia da Arca, tornou-se animado e vivo, tomando a direção pessoal dos intricados preparativos até nos mínimos pormenores.

Tal como o Dia da Videira, o Dia da Arca havia sido prolongado de um único dia para uma semana inteira de alegres festividades e animado comércio de toda a sorte de mercadorias e de bens móveis. 

Dos muitos rituais peculiares a este dia, os mais importantes são: a matança de um boi para ser oferecido em sacrifício, o acendimento do fogo do sacracrifício e o acendimento, nesse fogo, da nova lâmpada que dee substituir a antiga no altar. Tudo isso é executado pelo Superior com grande cerimonial ao qual o público assiste, terminando cada assistente por acender sua vela na nova lâmpada, velas estas que são depois apagadas e zelosamente conservadas como talismãs contra os maus espíritos. No fim so cerimonial, é costume o Superior fazer um sermão.

Os peregrinos do Dia da Arca, tal como os do Dia da Videira, raramente deixam de trazer presentes e donativos, sejan de que espécie for. A maior parte traz bois, bodes ou carneiros, aparentemente para serem sacrificados, juntamente com o boi oferecido pela Arca, mas que, em realidade, destinam-se a aumentar o rebanho da Arca, e não a serem abatidos. A nova lâmpada é, em geral, presenteada por algum príncipe ou magnata das Montanhas Alvas. E, como é considerado uma grande honra e um privilégio fazer esse presente, e como os concorrentes são muitos, estabeleu-se o costume de fazer-se a escolha, todos os anos, por sorteio, executado no encerramento das festividades do ano anterior. Os príncipes e magnatas rivalizam-se em zelo e devoção, cada qual desejando que sua lâmpada supere todas as anteriores em custo, beleza de desenho e riqueza de artesanato.

A sorte, paa este ano, havia designado o príncipe de Bethar. Todos aguardavam, ansiosos para verem a nova lâmpada, pois o príncipe era famoso por sua riqueza generosa bem como por seu fervor para com a Arca.

Na véspera desse dia, Shamadam chamou-nos, bem como ao Mestre, a sua cela e disse-nos o que segue, dirigindo-se mais ao Mestre do que a nós:

Shamadam: Amanhã será dia santo, e devemos comportar-nos de modo a conservá-lo santo.

Sejam quais forem as dissenções do passado, vamos enterrá-las aqui e agora.  A Arca não deve sofrer um retardamento em seu progresso ou uma diminuição de seu ardor. E Deus não permita que ela tenha de parar.

Eu sou o Superior desta Arca. Meu pesado dever é comandá-la. Fui investido direito de traçar-lhe a rota. Este dever e este direito foram-me conferidos por sucessão, como certamente o serão a um de vós quando eu morrer. Assim como esperei minha vez, esperai a vossa. 

Se fiz mal a Mirdad, que ele perdoe minha injustiça.

Mirdad: Não fizeste mal a Mirdad, mas o fizeste, e gravemente, a Shamadam.

Shamadam: E não é Shamadam livre para fazer mal a Shamadam?

Mirdad: Livre para fazer mal? Como são incoerentes essas palavras! Fazer mal, embora seja a si mesmo, é ficar escravo do mal que se pratica. Ao passo que fazer mal a outrem, é ficar escravo do escravo. Ah, como pesa o mal!

Shamadam: Se estou disposto a suportar o peso de meu erro, a ti que te importa?

Mirdad: Diria um dente cariado à boca: "Que te importa minha dor, se estou disposto a suportá-la?"

Shamadam: Ah, deixa-me! Deixa-me! Retira de mim tua mão pesada e não me flageles com tua língua esperta. Deixa-me viver o resto de meus dias como os tenho vivido e trabalhado até hoje. Vai e constrói tua arca em qualquer outro lugar, mas deixa esta Arca. O mundo é bastante grande para ti e para mim, para tua arca e para a minha. Amanhã é meu dia. Fica de fora e deixa-me executar meu trabalho, pois não vou tolerar a interferência da parte de nenhum de vós.
Tende cuidado! A vingança de Shamadam é terrível como a de Deus. Tende cuidado! Tende cuidado!

Naronda: Ao sairmos da cela do Superior, o Mestre sacudiu a cabeça e disse:

Mirdad: O coração de Shamadam ainda é o coração de Shamadam.

Naronda: Na manhã seguinte, para gáudio de Shamadam, as cerimônias executaram-se pontualmente e sem quaisquer incidentes desagradáveis, até o momento em que a nova lâmpada deveria ser apresentada e acesa.

Nesse momento, um homem muito alto e imponente, vestido de branco, começou a abrir caminho, com dificuldade, por entre a multidão, dirigindo-se ao altar. Em um instante, um sussurro passou de boca em boca: o homem era um especial do príncipe de Bethar que trazia a nova lâmpada e todos estavam ansiosos para ver o precioso tesouro.  

Shamadam curvou-se diante do mensageiro, acreditando que ele trouxesse o precioso presente para o novo ano; mas o homem, tendo dito algo em voz baixa a Shamadam, tirou do bolso um pergaminho e, depois de explicar que era a mensagem do príncipe de Bethar que o havia encarregado de apresentar pessoalmente, começou a ler:

- Do ex-príncipe de Bethar a todos os seus concidadãos da Montanhas Alvas, reunidos, neste dia, na Arca - paz e amor fraternal. 

De minha fervorosa devoção pela Arca, todos vós sois testemunhas vivas. Como a honra de presentear a lâmpada, para este ano, tocou-me, não poupei esforços nem riqueza para que meu presente fosse digno da Arca, e meus esforços foram recompensados, pois a lâmpada que minha riqueza e habilidade de meus artesãos finalmente criaram era uma verdadeira maravilha de se ver.

Deus, porém, foi clemente e bondoso e não quis que eu expusesse minha pobreza miserável, e por issolevou-me a conhecer uma lâmpada cuja a luz é ofuscante e inextinguível, cuja beleza é insuperável e inoxidável. Ao possuir esta lâmpada, fiquei terrivelmente envergonhado por ter algum dia pensado que minha outra lâmpada tinha qualquer valor.
Lancei-a, pois, ao monte de lixo.

E é esta lâmpada viva, não trabalhada por mãos de homens, que eu, com todo o empenho, confio a todos vós. Dai uma festa a vossos olhos contemplando-a, e nela acendei vossas velas. Vede, está a vosso alcance: seu nome é MIRDAD.
Assim sejais dignos de sua luz.

Mal havia ele pronunciado as últimas palavras, e Shamadam, que estivera de pé a seu lado, subitamente desapareceu, como se fosse um fantasma. O nome do Mestre correu pela imensa multidão como uma rajada de poderoso vento, através de uma floresta virgem. Todos queriam ver a lâmpada viva, da qual o príncipe de Bethar falara com tanto entusiasmo em sua mensagem.

Dentro em pouco, viu-se o Mestre subir os degraus do altar e voltar-se para a multidão, e subitamente, aquela massa humana comportou-se como um só homem, atenta, ansiosa e alerta. Então o Mestre falou e disse: