sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A Ilha do Dia Anterior - Umberto Eco

"Deve-se não tanto procurar criar ocasiões, mas aproveitar aquelas que se apresentam."

"Amar é como tomar um Banho de Lua. Os raios que provêm da lua são aqueles do sol, refletidos até nós. Concentrando os raios do sol com um espelho, aumentamos a sua força aquecedora... É um modo de dizer que o amor observa as mesmas leis que governam tanto os corpos sublunares quanto os celestes, embora seja de tais leis a mais nobre das manifestações. O amor nasce do olhar e é a primeira vista que se acende: e que mais é o ver senão o acesso de uma luz refletida pelo corpo que olhamos? Vendo-o meu corpo é penetrado pela melhor parte do corpo amado, a mais leve, que pelo meato dos olhos chega diretamente ao coração. E, portanto, amar à primeira vista é beber os espíritos do coração da amada. O grande Arquiteto da Natureza quando compôs o nosso corpo, nele colocou espíritos internos, à guisa de sentinelas, para informar as suas descobertas ao próprio general, vale dizer à imaginação, que é como se fosse a senhora da família corpórea. E se ela for atingida por algum objeto, acontece o mesmo que se dá quando se ouvem ressoar as violas, cuja melodia conservamos na memória e a ouvimos até mesmo durante o sono. Dela, nossa imaginação constrói um simulacro, que delicia o amante, embora não o dilacere, por ser apenas um simulacro. Disso ocorre quando se é surpreendido pelo olhar de uma pessoa, a quem ama, muda de cor, enrubesce e empalidece, conforme aqueles ministros, que são os espíritos internos, sigam, rápida ou lentamente, na direção do objeto, para depois retornar à imaginação. Tais espíritos, não chegam apenas ao cérebro, mas diretamente ao coração, através do grande canal que conduz, deste para o cérebro, os espíritos vitais que ali se tornam espíritos animais; e, sempre através desse canal, a imaginação envia ao coração uma parte dos átomos que recebeu de alguns objetos externos e são estes átomos que produzem aquela ebulição dos espíritos vitais, que às vezes, dilatam o coração, e, às vezes, o conduzem a síncope."