Fomos até junto ao cravo. Lá, escorada pelo suporte, estava nada mais, nada menos que a fórmula do pulo do cavalo que Euler preparara e lhe dera na noite anterior. Consistia em um grande desenho de um tabuleiro, com todas as casas ocupadas por números. Bach interligara os números, transformando o tabuleiro em uma teia de finas linhas que, embora não me parecessem fazer qualquer sentido, obviamente possuíam para ele um significado especial. Mas Euler, matemático que era, tinha a mente mais ágil que a minha para aquelas coisas.
- Você transformou números em oitavas e acordes! - exclamou. - Mas, por favor, mostre-me como fez isso. Transformar matemática em música! ... é pura mágica!
- A matemática é música - retrucou Bach. - E a recíproca é verdadeira. Não faz diferença que se acredite que a palavra "música" deriva de musa, ou de mute, que significa "a boca do oráculo". Se você achar que "matemática" deriva de mathenein, que quer dizer "aprendizado", ou de matrix, o útero de toda a Criação, não faz a menor diferença...
- Você estudou também a origem das palavras?
- As palavras têm o poder de criar e matar - sentenciou Bach, de maneira simples. - O Grande Arquiteto, que nos criou a todos, foi também o criador das palavras. Na verdade, Ele criou antes de nós, se acreditarmos no que diz São João, no Novo Testamento.
- Refiro-me a Deus como o Grande Arquiteto porque ele arquitetou o mundo a partir do som. "No princípio era o Verbo..." Lembra-se? Quem sabe? Talvez não fosse apenas o verbo. Talvez fosse música. Pode ser que Deus tenha se posto a cantar um cânone infinito, inventado por Ele mesmo, e que por meio de tal música tenha dado origem ao Universo.
*Segredo: é o som. Mais que o som é a sua pura e simples elaboração, a música.