segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O Haver - The Be

O Haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai! eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo que existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e de sua força inútil.

Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa tola capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será e virá a ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante.

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de uma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do grande medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.





The Haver


Remains , above all , the ability of tenderness
This perfect intimacy with silence
It remains to this inner voice asking forgiveness for all
- Forgive ! they are not guilty of being born ...

This ancient remains about the night , that talk down
This hand gropes before it , this fear
From playing hurt , this strong man's hand
Full of meekness unto all that exists.

Left this stillness , this saving gestures
This inertia increasing before the Infinite
This stuttering children who stutter want the inexpressible
This adamant refusal to poetry unlived .

It remains to this fellowship with the sounds , the feeling
Matter at rest , this anguish of simultaneity
Time, this slow decay poetic
In search of one life , one death , one Vinicius .

Left this heart as a burning candle
A cathedral in ruins , this sadness
Given daily , or the sudden joy
At dawn to hear footsteps that are lost without memory.

This remains like crying at the beauty
This blind rage in the face of injustice and misunderstanding
This immense pity for yourself , this immense
Mercy on his poetry and his useless useless strength .

Remains that feeling from childhood suddenly desentranhado
Small absurdities , this foolish ability
Laughing wonder, this ridiculous desire to be helpful
And the courage to commit themselves unnecessarily.

It remains to this distraction , this availability , this vagueness
Of those who know that everything has been and how it will come to be
And while this desire to serve, this
Contemporary with that of tomorrow are not yesterday or today .

This faculty remains irrepressible dreaming
Transfigure reality within this inability
To accept it as it is, and this view
Wide events , and that impressive.

And needless foreknowledge , and that previous memory
Of nonexistent worlds , and this heroism
Static , and this little light indecipherable
The poets who sometimes give the name of hope .

Remains obstinacy in not escape the labyrinth
In desperate search of a door perhaps nonexistent
And this unspeakable courage in the face of great fear
And while this terrible fear of being reborn into the darkness .

It remains to this desire to feel like all
Reflect on looks without curiosity and without history
That poverty remains intrinsic , that pride , that vanity
Not wanting to be captain but his kingdom.

It remains faithful to this woman and her torment
This abandonment without reference to its insatiable voracity
Left this eternal death on the cross of his arms
And this eternal resurrected to be re-crucified .

Left this daily dialogue with death , this fascination
For the time to come , when touched
She will open the door to me like an old lover
Without knowing what is my newest girlfriend