Os Antigos Mistérios Cátaros
Antonin Gadal
Introdução
No final do século XI, a Europa ocidental principiou paulatinamente a despertar dos "séculos das trevas" que seguiram à queda do império romano.
Esse despertar trouxe uma verdadeira renovação do mundo e dos homens em muitos aspectos da vida.
Eram tempos de grandes mudanças.
Do pontose vista religioso. Os homens tornavam-se conscientes de suas necessidades espirituais; e surgiu um anelo por uma vida interior mais profunda e intensa. A Igreja romana havia se convertido em um poderoso baluarte político, em uma instituição muito próspera, orientada para o poder exterior material, que, porém, não refletia a essência espiritual do criatianismo vivo.
Por esse motivo, apareceram incontáveis movimentos religiosos que, em maior ou menor medida, diferiam da religião oficial imposta por Roma.
No sul da França, na chamada Occitânia, na região de Albi, nasceram e floresceram diversas comunidades religiosas, conhecidas mais tarde com o nome de "os albigenses".
O grupo mais conhecido, e que influenciou grandemente o mundo ocidental, foi o dos cátaros (palavra que provém do grego katharoi, que significa puro). Embora confessando-se cristãos, rapidamente foram afastados da Igreja de Roma e declarados hereges.
Os cátaros baseavam sua fé na Bíblia e, principalmente, no Evangelho de João, que interpretavam de forma puramente espiritual. Não havia entre eles nenhuma hierarquia; todos eram irmãos. Ele era o Mestre e somente Deus era o Pai; e o maior devia ser o servidor de todos.
O cristianismo significava para os cátaros "Gnosis", o conhecimento interior de que a única verdade é Deus. E Deus é amor. Tudo o mais, no mundo, é uma ilusão.
Segundo seus ensinamentos, o homem devia anelar elevar-se acima da matéria para chegar a Deus. Todos os laços que uniam o homem com o mundo perceptível deviam ser rompidos. E o único meio de consegui-lo era distanciando-se deste mundo e sobretudo de si mesmo, nada mais possuindo para si. Somente dessa maneira era possível alcançar um coração puro e imaculado, que poderia percorrer o caminho do Santo Graal, o caminho das estrelas.
Os cátaros denominavam endura esse processo de ruptura. Para realizar essa purificação do ser era necessário passar por uma longa e difícil iniciação. Durante quatro anos de austeridade - dormindo, trabalhando, comendo e orando nas grutas de Ussat-Ornolac - os fiéis passavam por um processo de transformação, como uma lagarta que, através de sua metamorfose em crisálida, converte-se em uma bela borboleta.
Quem levava a bom termo a endura, recebia o consolamentum*, o batismo de fogo que selava a ruptura definitiva com o mundo. Os homens que receberam esse sacramento foram chamados Puros, Perfeitos, Bons-homens*.
Por causa dessa visão gnóstica do cristianismo, os cátaros defrontaram-se abertamente com a Igreja romana. No seio de sua comunidade religiosa, o Espírito ocupava um lugar central na triunidade da essência divina: o Paracleto, o Consolador, o Renovador do mundo. Para eles, o mundo é salvo pelo Espírito, que é amor, e não pelo martírio e a expiação. Por essa razão, a Igreja dos cátaros foi chamada de Igreja da Consolação, Igreja do Amor.
A comunidade dos cátaros não era formada somente por Perfeitos, mas também por inúmeros fiéis - os crentes - que puderam experimentar a força do amor do Paracleto, embora não tivessem realizado a endura. Alguns desses crentes recebiam o sacramento do consolamentum pouco antes de morrer.
A religião cátara arrebatava tanto o coração anelante dos homens que ansiavam pela renovação da fé, que até os meados do século XII a maior parte do sul da França havia se convertido ao catarismo. A influência da Igreja de Roma foi extraordinariamente reduzida naquela região, entretanto também em outras partes da Europa o anelo por um desenvolvimento espiritual foi crescendo e se manifestando de diversos modos.
A resposta de Roma diante desses desenvolvimentos foi esmagadora. Baseando-se na idéia de que essa "heresia" ameaçava o poder da Igreja romana e que, por isso, devia ser totalmente extinta, a perseguição a todos os inconformistas da Europa teve início. A época da Inquisição começara. Milhares e milhares de pessoas em toda a Europa foram levadas à fogueira.
Também os cátaros sofreram esse destino. Com a promulgação de uma "cruzada contra os albigenses" no concílio de Latrão, em 1215, o papa Inocêncio III proscreveu todo omovimento cátaro. Exércitos inteiros foram organizados. Cidade após cidade e aldeia após aldeia caíram nas mãos dos cruzados. Depois de longos interrogatórios, os cáraros foram queimados em massa ou emparedados vivos. Seu último grande refúgio, o castelo de Montségur, caiu em 1244.
E não foi senão em 1329 que Roma conseguiu extinguir todos os vestígios do tão pacífico e espiritual catarismo. Pelo menos, foi o que se acreditou. Porém, o Espírito não pode ser morto, queimado, emparedado. O Espírito é eterno e onipresente.
O caminho do Santo Graal permanece aberto para todo buscador verdadeiro. Oculta aos olhos do mundo, a herança dos cátaros foi transmitida durante séculos, de homem a homem.
Assim essa herança chegou até nossos dias pela mão de Antonin Gadal, o último patriarca cátaro, por sua vez discípulo do historiador Adolphe Garrigou.
A. Gadal nos relata neste livro, de uma forma extraordinariamente bela, na pessoa do jovem Matheus, o caminho que percorriam os crentes que desejavam ser iniciados nos mistérios cátaros.
Possa este livro ser um farol para o buscador moderno e que, guiado por sua luz, ele possa encontrar, também nesta época, o maravilhoso tesouro do Santo Graal.
Este símbolo encontra-se na gruta "A Acácia" em Ussat, e expressa de forma clara e surpreendente "o caminho do Santo Graal".
A curva no alto simboliza o caminho das estrelas, o caminho da transformação (ou transfiguração), através de sete planetas, materializados nas "sete comunidades da Ásia", expressão velada do glorioso caminho de regresso através dos sete planos cósmicos.
Nesse caminho, de um lado o ser material do homem ( o triangulo pequeno) diminui constantemente, tornando-se cada vez mais tênue, mais sutil; de outro lado o homem verdadeiro (o triangulo maior) cresce sem cessar, em pura espiritualidade, em poder divino, cada vez mais amplo e maravilhoso. É o mistério do Alfa e do Ômega e do Alfa; o mistério da transformação (da transfiguração) ininterrupta, a elevação para além da influência da matéria, o regresso absoluto do "puro homem-espírito, semelhante ao Pai".
Quem percorre esse caminho manifesta claramente os três aspectos do único Deus que, com o auxílio do Espírito santifique (a Lua), torna o homem liberto o portador do reino do Amor, expressado pelo triângulo descendente, símbolo da Divindade que se sacrifica.
Daí, novamente, o símbolo da triunidade, base de toda a manifestação universal, e da resplandecente luz sétupla, cujo sacrifício para a salvação e redenção da humanidade expressa-se pelas sete ondas que simbolizam o mar infinito da plenitude cósmica.
Por esse sacrifício, eleva-se, no mundo da queda, o Templo do Espírito, a Escola dos Mistérios Cristãos, erigida sobre cinco colunas, as cinco gotas do sangue de Cristo (a quíntupla iniciação aos mistérios cristãos), através dos três círculos sétuplos (Ver o livro O mistério iniciático cristão: Dei gloria intacta de J. van Rijckenborgh).
Ou dito de outra maneira: os cinco Elohim do Pai que derramam pelo Filho. no Santo Graal, seu sangue, seu amor, com o objetivo de que M., Maria, a Mãe espiritual do Espírito, da Igreja do Espírito, tome a Água Viva curadoura, a água da vida eterna, para oferecê-la a todos os que buscam verdadeiramente e que, sendo dignos dela, possam realmente recebê-la.
Este símbolo, que representa o monograma de Cristo, encontra-se em Ornolac e é composto dos seguintes significados:
O círculo da eternidade
O Resch* P, letra misteriosa que representa o Filho de Deus
A letra grega Chi: Cristo
O Alfa, o começo
O Ômega, o fim
Caput Christi, invertido: símbolo da morte
Caput Christ, direito: símbolo da vida
Tudo está em concordância:
Cristo, Deus-o-Filho, é o Alfa e o Ômega, o começo e o fim; o começo: a vida e a morte; o fim: a morte e a vida.
O Patriarca do Sabartez
Galad (anagrama do nome Gadal), o fiel guardião do Graal, é o filho espiritual daquele que há muito tempo, durante três quartos de século, tornou conhecido grande número de riquezas históricas do Sabartez* - condado de Foix.
O nome de Adolphe Garrigou ainda é lembrado em todos os lares do Alto Ariège, apesar da sua morte datar de 1897. Sua vida austera, toda de modéstia e de trabalho, é um exemplo.
Aluno modesto, seu sucessor seguiu seu exemplo, tanto quanto as circunstâncias o permitissem. Ele não pôde apresentar as coisas do passado como queria: pôr as grutas e cavernas em condicão de complementarem a história; em uma palavra, fazer reviver inteiramente a alta espiritualidade que continua irradiando do centro iniciático de Ussat-Ornolac.
As galerias subterrâneas só revelam paulatinamenteo que ouviram e entreviram; mas, mesmo assim, certos pontos continuam obscuros.
O porto do catarismo* pirenaico é vasto ; sua história complicada permaneceu durante séculos quase desconhecida. A hora não havia soado; o loureiro não havia reflorescido.
Mas eis que, em todas as partes da nossa velha Europa, soou o despertar do Santo Graal.
O Sabartez surpreendeu-se com seus másculos tons; o entusiasmo dos Puros é nobre no caminho do amor, do belo, do bem, eterno e imortal caminho do Santo Graal.
Ó querido Patriarca! Tua felicidade deve ser grande: nada está perdido do teu ensinamento, que veio dos grandes mestres de outrora!
GLOSSARIO
*Consolamentum: a Antiga Fraternidade conhecia duas formas de consolamento; o consolamento dos moribundos, que lhes proporcionava consolação e repouso, e o consolamento dos Mortos-Vivos, os Iniciados.
*Puros, Perfeitos, Bons-homens: esses nomes eram dados àqueles que, no caminho dos mistérios cristãos, haviam operado em seu ser a reformação e desde então, a serviço do mundo e da humanidade, tal como verdadeiros discípulos de Cristo, galgavam o caminho das estrelas, o caminho da transformação (ou tramsfiguração). Fazendo alusão a esse estado de Puro, a Jovem Fraternidade Gnóstica fala da alma renascida, a alma- espírito, que pela sua ligação restabelecida com o Espírito, obteve novamente a participação na sabedoria divina, a Gnosis.
*Porto do Catarismo: um porto é um lugar tranquilo onde os barcos estão em segurança contra os perigos do mar, e onde um quebra-mar sólido os protege contra a fúria das ondas; onde o quebra-mar termina encontra-se um farol que dirige os navegantes, mostrando o bom caminho.
Nesse sentido é que o grande círculo Tarascon-Ussat-Ornolac, com suas grutas de iniciação, foi denominado porto seguro e tranqüilo do catarismo; a montanha do Tabor, o Tabor pirenaico, o caminho dos cátaros para São Bartolomeu, o quebra-mar; e Montségur, ao longe, em direção à Occitânia, refúgio dos Perfeitos, iluminava como um verdadeiro farol espiritual todo o Languedoc.
*Resch: todos eles fazem parte da Gnosis, a ciência divina, vivente e profunda do cristianismo mais puro. São sinais e símbolos que encontramos também nas catacumbas - por exemplo, o peixe, a âncora, o Chi, o resch P., etc.