sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O Livro de Mirdad 37 - Final

Lectorium Rosicrucianum

37

O Mestre avisa a multidão sobre o dilúvio de fogo e de sangue,
Ensina o caminho de salvação e lança sua arca

Mirdad: Que buscais em Mirdad? Uma lâmpada de ouro, cravejada de pedras preciosas, para decorar o altar? Mas Mirdad não é ourives nem joalheiro, embra seja um farol e um refúgio.

Ou buscais um talismã que vos proteja do mau olhado? Sim, talismãs, Mirdad os tem em quantidade, porém de outra espécie.

Ou procurais uma luz com a qual possais caminhar em segurança, cada um no caminho que lhe foi destinado? Em realidade isso é muito estranho! Tendes o sol, a lua, as estrelas e ainda temeis tropeçar e cair? Ou vossos olhos são inadequados à luz, ou a luz é escassa para vossos olhos. Qual de vós poderia passar sem os olhos? Quem acusaria o sol de avarento?

De que valem os olhos que impedem que os pés tropecem em seu caminho, mas que deixam o coração tropeça e sangrar ao andar inutilmente e às apalpadelas à procura de um caminho?

De que vale a luz que enche os olhos, mas deixa o espírito vazio e sem iluminação?

Que buscais em Mirdad? Se buscais ver corações e espíritos banhados na luz que desejais, e pela qual clamais, então realmente vosso clamor não é em vão, pois eu só cuido do espírito e do coração do ser humano.

Que trouxestes como ofertas nesse Dia, que é um dia de gloriosa realização? Trouxestes bodes, carneiros e bois? Que ínfimo preço quereis pagar por vossa libertação! No entanto, é muito mais reduzido o preço da libertação que deveis comprar.

Não seria glória alguma para um ser humano ser libertado à troca de um bode. E é, realmente, uma grande desgraça, para qualquer ser humano, oferecer a vida de um pobre bode como remissão pela sua.

Que tendes vós feito para participar do espírito deste dia, que é um dia de fé revelada e amor supremamente justificado?

Sim, certamente tendes praticado uma multiplicidade de ritos e murmurado várias orações; mas a dúvida tem-vos acompanhado em cada movimento, e o ódio tem dito "Amém" a cada coração.

Não estais aqui para celebrar a conquista do Dilúvio? Como podeis celebrar uma vitória que vos deixou vencidos? Ao submeter as profundezas do próprio coração, Noé não submeteu as profudezas do vosso, mas simplesmente  vos mostrou o caminho. Na verdade, as profundezas de vossos coração estão cheias de raiva e ameaçam naufragar-vos. Enquanto não superardes vosso dilúvio, não mereceis este dia.

Cada um de vós é um dilúvio, uma arca e um comandante. Enquanto não chegar o dia em que possais desembarcar em terra virgem e recém-lavada, não tenhais pressa de celebrar a vitória. 

Deveis saber como foi que o homem se tornou um dilúvio para si próprio.

Quando a Sagrada Vontade Total partiu Adão em dois, para que ele se conhecesse e compreendesse sua unicidade com o Uno, então ele tornou-se um macho e uma fêmea - um Adão masculino e um Adão feminino. Foi, então, inundado de desejos, que são os filhos da dualidade - desejos tão numerosos, tão infinitos em aspectos, tão imensos em magnitude, tão torpes e tão prolíficos, que até hoje o homem é um náufrago sob suas ondas. Mal uma onda o tem levado a vertiginosas alturas, já outra o arrasta para o fundo. Isto porque seus desejos são aos pares, como ele também é um par. E embora dois opostos realmente se complementem um ao outro, para o ignorante ele parecem agarrar-se, esmurrar-se e jamais querer dar-se um só momento de trégua. 

Este é o dilúvio que o ser humano é chamado a enfrentar, hora a hora, dia a dia, durante sua muito longa e árdua vida  dual. 

Este é o dilúvio, cujas fontes se abrem no coração e vos arrastam em sua correnteza.

Este é o dilúvio, cujo arco-íris não brilhará em vosso céu, enquanto vosso céu não se houver casado com vossa terra e ambos sejam um.

Desde que Adão semeou-se em Eva, a humanidade têm colhido furacões e dilúvios. Quando predominam as paixões de certa espécie, a vida do ser humano sai fora do equilíbrio, e os seres humanos  são engolidos por um ou outro dilúvio, para que o equilíbrio se restabeleça. E o equilíbrio não se restabelecerá, definitivamente, enquanto o ser humano não aprender a amassar seus desejos na masseira do Amor, para com eles assar o pão da Sagrada Compreensão.

O dilúvio que cobriu a terra nos dias de Noé não foi o primeiro nem o último que a humanidade conheceu. Somente foi o que deixou marca mais alta na série dos dilúvios devastadore. O dilúvio de fogo e de sangue, que breve inundará a terra, ultrapassará essa marca. Estais preparados para flutuar, ou sereis submergidos?

Ai! Estais muito ocupados, acrescentando pesos sobre pesos; muito ocupados, envenenando o sangue com prazeres transbordantes de dor; muio ocupados, abrindo estradas que não vos levam a parte alguma; demasiado ocupados, apanhando sementes no quintal dos armazéns da vida, sem ao menos espiar pelo buraco da fechadura. Como evitareis ser submergidos, ó meus extraviados?

Vós, nascidos para voar nas alturas, para vagar pelo espaço infinito, para vencer o Universo com vossas asas, engaiolas-te-vos na gaiola das cômodas convenções e crenças que vos cortam as asas, prejudicando vossa vista e petrificando vossos músculos. Como escapareis do dilúvio vidouro, meus extraviados?

Vós, imagem e semelhança de Deus, já quase apagastes a semelhança e a imagem; vosso portr divino diminui, tornando-vos anões, a ponto de já não reconhecerdes de quem descendeis. Vossa fisionomia divina, tende-a enlameado e disfarçado com máscaras apalhaçadas. Como podereis enfrentar o dilúvio que provocastes, meus extraviados?

A não ser que deis ouvidos a Mirdad, a terra jamais será para vós mais do que sepultura, e o Céu, nada mais do que mortalha. No entanto, um foi preparado para servir-vos de berço e o outro, de trono.

Mais uma vez, digo-vos: vós sois o dilúvio, a arca e o comandante. Vossas paixões são o dilúvio. Vosso corpo é a arca. Vossa fé, o comandante. Vossa vontade tudo penetra, e, acima de tudo isto, está vossa compreensão.

Assegurai-vos de que a arca seja estanque e possa navegar; não gasteis, porém, toda a vossa vida nesse mister, senão o dia de navegar nunca chegará, e, no fim, tanto vós como vossa arca apodreceríeis e naufragaríeis no mesmo local. Assegurai-vos de que o capitão seja competente e calmo. Mas, acima de tudo, aprendei a procurar as origens dos dilúvios e treinai vossa vontade para secá-los, um a um. Então, certamente, o dilúvio se enfraquecerá e, finalmente, acabará.

Queimai a paixão, ou ela vos queimará. 

Não olheis para dentro da boca da paixão para verificardes se ela tem dentes agudos ou mandíbulas cobertas de mel. A abelha que recolhe o néctar das flores recolhe, também, o veneno.

Não analiseis o rosto da paixão para verificardes se é simpático ou antipático. Para Eva, o rosto da serpente era mais simpático do que o de Deus.

Não coloqueis a paixão na balança para verificardes seu peso. Quem comparararia o peso de um diadema com o de uma montanha? No entanto, o diadema realmente pesa muito mais do que a montanha.

E há paixões que cantam canções celestiais durante o dia, mas silvam, mordem e dão ferroadas sob a mortalha da noite; há paixões gordas e pesadas de alegria que rapidamente se transformam em esqueletos de tristeza; paixões de olhar dócil e suave que subitamente se tornam mais ferozes do que lobos, mais traiçoeiras do que hienas; paixões mais perfumadas do que rosas, enquanto nelas não se toca, e que são mais repugnantes do que abutres e gambás, tão logo são tocadas ou colhidas. 

Não peneireis vossas paixões, separando-as em boas e más, pois é tempo perdido. O bem não pode subsistir sem o mal; o mal não pode ter raízes senão no bem.

A árvore do bem e do mal é uma só, e um só seu fruto. Não podeis conhecer o sabor do bem sem conhecer, ao mesmo tempo, o sabor do mal. 

O úbere do qual sugais o leite da vida é o mesmo que produz o leite da morte. A mão que vos embala no berço é a mesma que cava vossa sepultura. 

Esta é, meus extraviados, a natureza da dualidade. Não sejais tão presunçosos e obstinados a ponto de tentardes mudá-la. Não sejais tão tolos a ponto de tentar rachá-la em duas metades, para ficardes com a que vos agrada e atirardes fora a outra.

Quereis dominar a dualidade? Tratai-a como não sendo boa nem má.

O leite da vida e da morte já se não vos tornou azedo na boca? Já não é tempo de enxergardes a boca com algo que não seja nem bom nem mau, por ultrapassar ambos? Já não é tempo de almejardes o fruto que não é doce nem amargo, pois não cresce na árvore do bem e do mal?

Quereis libertar-vos das muletas da dualidade? Então arrancai sua árvore - a árvore do bem e do mal - do coração. 
Sim, arrancai-a com raízes e galhos, para que a semente da vida divina, a semente da Sagrada Compreensão, que está além de todo o bem e todo o mal, possa germinar e brotar em seu lugar. 

Não traz alegria a mensagem de Mirdad, direi vós. Rouba-nos a alegria de esperar pelo amanhã. Torna-nos espectadores estúpidos e desinteressados da vida, quando poderíamos ser competidores vociferantes, pois é doce competir, seja qual for o resultado da contenda. E é doce arriscar em uma corrida, mesmo que o prêmio seja uma ninharia.

Assim dizeis vós no coração, amassai todas as vossas paixões - boa e más - na masseira do Amor, para poderdes assá-las no forno da Sagrada Conpreensão, em que toda a dualidade é unificada em Deus.

Cessai agora de criar dificuldades para um mundo em que já existe excesso de dificuldades.

Como pretendeis tirar água limpa de um poço no qual incessantemente despejais toda a sorte de lixo e de lama?
Como podem as águas limpas de uma lagoa estar claras e serenas, se a todo o momento as agitais?

Não tireis a sorte para obter o sossego em um mundo desassossegado, pois podeis obter o desassossego. 

Não tireis a sorte para obter um amor em um mundo odiento, pois podeis obter ódio.

Não tireis a sorte para obter a vida em um mundo agonizante, pois podeis obter a morte. O mundo não pode pagar-vos em outra moeda que não seja a sua - moeda que sempre tem duas faces.

Tirai, porém, a sorte sobre vosso infinito eu-divino, que é tão rico em pacífica Compreensão.

Não exijais do mundo o que não exigirdes de vós próprios. Nem exijais de ser humano algum o que não permitirdes que ele exija de vós. 

O que é que, se vos fosse concedido pelo mundo, vos auxiliaria a superar vosso dilúvio e a desembarcar em um mundo isento de dor e de morte, ligado ao céu por Amor eterno e pela paz da Compreensão? Seria poder, bens, fama, autoridade, prestígio e respeito? Seria a ambição realizada e a esperança concretizada? Todas estas coisas são fontes que alimentam vosso dilúvio. Fora com isso tudo, meus extraviados, fora, fora!

Permanecei calados para serdes explícitos.
Sede explícitos para que possais compreender, explicitamente, o mundo.

Quando bem compreenderdes o mundo, vereis como ele é pobre e incapaz de proporcionar-vos o que procurais: liberdade, paz e vida.

Tudo o que o mundo pode dar-vos é um corpo - uma arca para navegar pelo mar da vida dual. E isso não deveis a homem algum neste mundo. É dever do Universo vo-la fornecer e sustentar. Mantê-la limpa e seca para enfrentar o dilúvio, tão limpa e seca como a arca de Noé; prender nela as feras e mantê-las sob vosso controle, tal como Noé prendeu as feras e manteve-as sob perfeto controle - é vosso dever, e somente vosso. 

Ter uma fé desperta e de olhos vivos para mantê-la ao leme, uma fé inabalável na Vontade Total que é vosso trabalho, e somente vosso.

Ter uma vontade internerata para assumir o comando, uma vontade de libertar-se e de participar da árvore da vida da Sagrada Compreensão - é também vosso trabalho, e somente vosso.

O ser humano dirige-se a Deus. Nenhum destino, aquém deste, vale seu esforço. Que dizer se a rota for longa, com borrascas e tempestades? A fé vinda de um coração puro e olhos vivos não vencerá as borrascas e tempestades?

Apressai-vos. O tempo desperdiçado em preguiça está repleto de dores, e os seres humanos, mesmo os mais ocupados, são, na verdade, preguiçosos.

Todos vós sois arquitetos navais. Sois todos marujos. Esta é a tarefa que vos foi assinalada, desde a eternidade, para que possais navegar o oceano sem limites, que sois vós próprios, e, afinal, encontreis a harmonia inexprimível do ser cujo nome é Deus.

Todas as coisas precisam ter um centro do qual irradiem e à volta do qual girem.

Se a vida - a vida humana - é um círculo, e o encontrar a Deus for, portanto, o centro, então todo o vosso trabalho deverá ser concêntrico em relação a esse centro, ou será um devaneio, embora lavado em suor e sangue.

E como a tarefa de Mirdad é levar o ser humano a seu destino, vede: Mirdad preparou-vos uma arca magnífica, uma arca bem construída e bem comandada. Não uma arca de madeira, vedada com betume, nem para transportar corvos, lagartos e hienas, mas uma arca de Sagrada Compreensão, que realmente, será um farol para todos os que anseiam pela libertação. Seu lastro não será de frascos de vinho nem prensas de lagar, mas de corações repletos de amor por tudo e por todos. Nem sua carga será de terras e de bens móveis, de prata, de ouro e de jóias, mas de almas divorciadas de suas sombras e vestidas com a luz e a liberdade da Compreensão.

Que venham para bordo os querem partir as amarras que os prendem à terra, os desejam ser unificados e os que anseiam por libertar-se.

A Arca está pronta. O vento é favorável. O mar está sereno.
Assim ensinei eu a Noé.
Assim eu agora vos ensino.

Naronda: Quando o Mestre parou, um sussurro correu pela assembléia, que até então estivera imóvel, como se houvesse suapendido até a respiração, para ouvir as palavras do Mestre.

Antes de descer os degraus do altar, o Mestre chamou os sete, pediu a harpa e, com o auxílio deles, começou a cantar o hino da Nova Arca. A multidão logo aprendeu a melodia e, como uma onda poderosa, enviava aos céus o doce estribilho:

Deus é o comandante, navega, minha Arca!

Aqui termina a parte do livro que me é permitido publicar para o mundo. Quanto ao restante, sua hora ainda não é chegada. M. N.